terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Bibliotecas da minha vida



Minha primeira biblioteca ficava a cerca de dois quarteirões da casa aonde morava e tinha – em prateleiras baixas para melhor acesso – o que me parecia ser um verdadeiro mundo de livros e, antes mesmo de saber de existência de Jorge Luis Borges, já a identificava como um paraíso. Ali li e reli, encantada, boa parte das obras infantis que povoaram a minha infância, em uma época em que ganhar livros era coisa para aniversário e Natal, e olhe lá. A prova do meu amor pelos livros ficou clara quando propus à minha mãe trocar os chocolates da Páscoa por novas opções de leitura. Sabiamente minha mãe não aceitou o negócio, mas passou a incluir livros nas cestas de Páscoa da minha meninice.
Muito mais tarde, já às vésperas da faculdade e morando em outro endereço na mesma cidade, localizei e passei a frequentar, dessa vez para retirar os livros e ler em casa, a Biblioteca Érico Veríssimo, convenientemente instalada na casa dos avós desse que ainda hoje é um dos meus escritores favoritos, um sobrado antigo e mais ou menos restaurado, na época cercado de jardins. Não sei como está hoje, nunca mais voltei lá. Naquele ano, esperei cerca de seis meses para direcionar a minha bússola para Porto Alegre, onde morei alguns anos. Já com o segundo grau concluído, espantei o tédio aproveitando aqueles seis meses para atacar e devorar as modestas três estantes. Vem dali a minha relativa intimidade com os clássicos franceses, ingleses, russos e alguma coisa de literatura brasileira. Pouco escapou da minha fúria e hoje vejo que já li muitíssimo mais rápido do que atualmente. Quem disse que o cérebro não fica mais lento?
A terceira biblioteca da minha vida foi a da PUC de Porto Alegre, que já me parecia imensa e, hoje me dizem, era uma sombra do que é hoje. Em uma época na qual as opções que eu tinha eram comprar livros ou comer, optei por manter corpo e alma juntos e creio que durante os anos de faculdade adquiri poucos livros, mas também li quase tudo o que havia disponível de literatura. Lia no trabalho, no ônibus, durante as aulas chatas e, muitas vezes, substituí o sono pelos livros. Não associo aqueles tempos como de grandes dificuldades financeiras como de fato foram, mas como um período rico em descobertas e de abertura de horizontes cada vez mais largos.
Hoje pouco frequento livrarias. Os tempos de empréstimos de livros acenderam em mim um sentimento de posse gigante, tanto que não gosto de tomar livro emprestado. Quero tê-los debaixo do meu teto, à minha disposição o tempo todo, mas continuo associando a ideia de paraíso a uma grande biblioteca, local mágico onde, durante tantos anos fui, durante horas inteiras, profundamente feliz.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Retorno à sexta série


Ao contrário da maioria das pessoas, não gosto muito de surpresas. Sei lá, deve ter faltado esse gene quando fui gerada. Fico sem ação, levo uns dois ou três minutos para saber o que dizer, paro com sorriso idiota no rosto (quando é boa) e boca aberta (quando é ruim). Imagino que eu seja raridade, mas abro uma exceção: lido melhor com surpresas quando estou sozinha e não me perguntem o porquê.
Deve ser por isso que gostei tanto quando, há umas duas semanas, ao chegar em casa no final do dia e encontrei me esperando a maravilha da foto: sete livros de uma coleção muito antiga que reúne obras de José de Alencar, Aluísio de Azevedo e outros autores brasileiros. Carinhoso presente da querida Lurdes, que há quase 15 anos cuida da minha casa melhor do que eu. Além de deixar tudo brilhando, fez brilhar os meus olhos.
Os livros por si só já são lindos e ao folheá-los encontrei romances brasileiros que tínhamos que ler no tempo do colégio. Provavelmente eu era uma das poucas alunas a gostar da “obrigação” e fazia um belo suco dos limões que nos empurravam. Claro que na época li muita porcaria e ainda quero entender porque – com tanta opção maravilhosa – não indicavam obras de mais fácil leitura para adolescentes inquietos. Certamente vem daí a falta de interesse de tanta gente pela leitura.
Com o presente fiz mais uma viagem no tempo e recordei quando – na sexta série – tive uma professora que nos fazia, além de ler os livros, resumi-los e adaptá-los a peças teatrais que representávamos para os colegas de classe, literalmente morrendo de vergonha. Só quem tinha veia artística se safava, o que certamente não era o meu caso.
Creio que ali descobri meu gosto pelas palavras, eu era inevitavelmente a responsável pelo resumo e adaptação do livro. Devia dar certo, pois sempre tive ótimas notas em literatura. Pena que, petulante, já que assumia a parte mais difícil do trabalho, reservava o papel principal para mim, na cara dura. Só por isso eu já merecia um belo zero. Mas a Lurdes ganhou um dez com estrelinhas pela lembrança carinhosa, por não se importar em aumentar o número de livros para tirar o pó em um apartamento já sobrecarregado, e por me permitir desfrutar da surpresa como gosto: sem platéia. Realmente, os tempos de papel principal eu deixei para trás faz tempo...

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Sobre facões, Natais, tratores e teias de aranha


Quase  precisei de um facão para tirar o mato crescido neste desprezado blog, após mais de um ano de ausência. Não vou tentar explicar nem para mim mesma porque saí e menos ainda porque voltei. Benjamin Disraeli já dizia nos idos do século retrasado, nunca se queixe, nunca explique, nunca se desculpe. Como sempre fui campeã de justificativas e explicações, inauguro uma nova fase, na qual retorno com força total, mas tolerante com a minha pessoa, passando a mão na própria cabeça, numa verdadeira ode à preguiça e à complacência.
E como esse blog é quase um diário pessoal, que de raro em raro recebe visitas, vou fazer de conta que esse hiato de tempo não existiu e voltar a fazer algo de que gosto muito: falar sobre livros e adjacências. Já totalmente em ritmo de ano novo, troco calendários, agendas, esvazio gavetas e espano as teias de aranha do Ex Libris. Vamos em frente!
O impulso para retomar essa conversa comigo mesma voltou há dois dias, quando meu irmão pediu aquilo que chama de tradicional lista de Natal, na qual registro e envio para a família os nomes dos livros que encontrarei ao pé da árvore, sem compromisso nem mesmo de fazer cara de surpresa. Como continuo desorganizada, comprando mais do que consigo ler e buscando na estante coisas que resolvi revisitar, claro que nem lista tenho.
Nos aniversários e Natais da minha infância eu ganhava livros dos meus avós paternos. Naquela época só se ganhava presente em datas certas e importantes. Meu avô (o autor do desenho do meu ex libris) identificou muito rápido meu gosto pela leitura e estou certa de que ele tinha imensa satisfação em me presentear com livros. Não tenho muita certeza, mas acho que era ele quem os escolhia, embora para isso certamente precisasse se deslocar, pois morava em uma pequena fazenda a alguns quilômetros da cidade. Quando faltava o transporte pelos mais diversos motivos, vinha ao centro de trator mesmo. Não esqueço a satisfação com que ele me recomendava leituras e cobrava minha opinião.
Hoje faço o mesmo com a minha afilhada e ganho livros do meu irmão. Quem herda não rouba e alguém da família tinha que levar a tradição à frente, não? Mas será que se eu pedir com jeitinho rola um passeio de trator só para matar algumas saudades?

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Associações, lembranças e reencontros

Passei o fim de semana inteiro lendo “O último trem para Hiroshima”, livro polêmico que foi recolhido de livrarias norte-americanas após ter sido descoberto que um dos entrevistados mentiu em seu depoimento, o que levou a uma série de mudanças na obra. Mesmo assim, não vi maiores prejuízos à história, que prende e horroriza ao mesmo tempo. Prova disso é que passei o sábado e o domingo lendo, só mudando da cama para o sofá da sala e vice-versa. A certa altura, quando foi mencionado pela primeira vez o imperador do Japão, Hiroíto, acendeu-se um lampejo de memória na minha cabeça: “acho que tenho um livro sobre ele...” Larguei tudo e fui esquartejar as estantes, e o interessante é que eu quase recordava até do desenho da lombada da obra, mas não lembrava de ter lido um livro sobre ele. Lembrava sim (tanto que achei) do livro “Hiroshima”, de John Hersey. Mas enfim, após uns 15 minutos de garimpo, constatei que não estava louca e achei o livro “Hiroíto – Por trás da lenda”, de Edward Behr, comodamente instalado, juntamente com todos cujos autores começam com a letra “B”.
Mas o detalhe mais interessante: não li esse livro. Datei-o em 1991, ou seja, exatos 20 anos atrás, e não o li. Só fui lembrar da sua existência lendo outro livro com associação óbvia. Resultado: tirei-o da estante e pousei-o no alto de uma das pilhas de espera, pensativa ante a possibilidade de haver mais opções não lidas na estante. Afinal, essa é a regra: somente vão para lá os que eu já liberei. De qualquer sorte, estranhei a lembrança da mesma forma que estranhei a associação. De 1991 para cá incontáveis livros passaram pelas minhas mãos e me descubro levemente desmemoriada (outro dia, no aeroporto, comprei para ler durante o vôo um livro que já tinha; só o reconheci ao começar a desbravar as primeiras páginas), será que isso é normal? Depois dessa, creio que é uma boa ideia repassar as prateleiras em busca de não lidos, em um verdadeiro garimpo literário pessoal.
E sendo absolutamente Poliana, não deixa de ser interessante tanto esquecimento. Assim nunca me faltará o que ler, bastará atacar os “esquecidos”.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Lendo no trabalho


Mesmo com o pouco – quase nada – tempo para isso, sempre tenho aqui no trabalho um livro para ler nas horas de trégua e nos momento que chamo de “abuso”, leia-se: saco cheio. Por isso é sempre a obra de leitura mais lenta entre todas da minha vida. Estou desde março com “A biografia de Alice B. Toklas”, de Gertrude Stein me desafiando. Leio alguns parágrafos todos os dias e hoje vi que estou finalmente me aproximando do final. Essa leitura entrecortada não atrapalha a compreensão e assimilação do texto, mas admito que é meio estranho. Por isso não pode ser qualquer livro mesmo. O ideal seriam crônicas e contos, mas como não tenho compromisso com a coerência (pelo menos nesse departamento) a tendência é que eu enfie os pés pelas mãos na escolha do próximo. Aqui no trabalho já li as fábulas de Esopo, contos do meu ídolo Scott Fitzgerald (recomendo muito, por sinal) e outros que já nem lembro. De qualquer forma, estimulada pelo sol da primavera e do azul do mar que enxergo da minha janela, combinei um café com amigos hoje após o almoço. Sou capaz de dar uma paradinha na praça e ler mais um capítulo para fazer tempo...
A foto é da vista que tenho da minha janela do escritório, mais ou menos neste ângulo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Almoço literário




Já vai longe a época em que eu conseguia sair do escritório para almoçar todos os dias. Houve um tempo em que eu até encontrava amigos para o tradicional cafezinho pós-refeição e ficávamos às gargalhadas, renovando-nos para uma tarde de trabalho. Hoje, mesmo sabendo que é errado, geralmente como qualquer coisa em frente ao computador e considero intervalo para almoço aquele em que não atendo ao telefone – o fixo, claro – do meio dia às 13h30min. E é só. Mas hoje me rebelei. Desci, atravessei o calçadão e entrei na livraria em frente, que tem três andares de tentações e onde eu compro até livros de culinária e muitos, muitos outros mais. Fui direto até o terceiro andar, sentei comodamente em uma poltrona (trocaram o modelo, achei pouco confortável o atual) e li orelhas, contracapas e página internas de muitos. Peguei vários para consultar o preço e permiti que a tentação sussurrasse para mim. Mas o anjinho que fica do lado direito do ombro lembrava-me o tempo todo: “Você não vai ler tão cedo; deixe aí; coloque na lista”. Moral da história: deu empate: saí de lá carregando um – mas apenas um! – “John Steinbeck e Robert Capa: Diário russo”. Adorei a resenha, adorei o que li lá dentro e amo Steinbeck. Mas o anjinho tem razão, sabe-se lá quando vou ler....

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Também aceito.......

Às vezes me pego pensando na importância que a leitura tem na minha vida e se isso é decorrente do fato de eu ter estudado muito e hoje trabalhar de forma estreitamente ligada às letras. Chego a me perguntar se a minha educação em casa tivesse sido outra, ou se os meus caminhos profissionais tivessem enveredado por outra área, eu teria desenvolvido e alimentado essa paixão que há muito se tornou um vício. Nada mais do que caraminholas, provavelmente jamais chegarei a uma conclusão e creio mesmo que isso nem mesmo é importante.
Todo esse nariz de cera é para contar que andando hoje pela rua, apressada como sempre e atrasada para uma reunião de trabalho, passei por uma parte do centro da cidade a que raramente vou. Já sem fôlego pelo meu quase correr, bati os olhos em uma pessoa sentada em um degrau que contorna um prédio comercial. Com as pernas estendidas, creio que até aproveitando o sol da manhã após tanta chuva, vi que, além de cabelos grisalhos, as barbas compridas eram brancas, o que me impediria de avaliar melhor a idade do homem – certamente mais de 60 anos – se eu tivesse me detido mais nos detalhes. Não reparei se ele estava vendendo algo ou pedindo esmolas simplesmente, mas já me afastando, vi um pequeno cartaz pregado por ele na parede ao lado onde estava escorado: “aceito livros de literatura”.
Se coração saísse do lugar, o meu certamente teria caído aos meus pés naquele momento. Sou uma sentimental, raramente nego esmola a quem me pede diretamente e – errada ou não, provavelmente sim – sinto-me incapaz de recusar uns trocados que podem tanto ser trocados por comida, passagem de volta para casa ou sabe-se lá o quê. Se o que dou é utilizado para coisas que eu não aprovo, prefiro pensar que dei de bom coração e com a mais firme intenção de ajudar (alguns meses atrás, um homem chorou na minha frente quando, condoída pela história que me contava, dei-lhe dez reais).
Enfim, hoje, correndo pelo centro rumo a um compromisso para o qual estava roxa de tão atrasada, não pude deixar de fantasiar sobre aquele homem que aceitava “livros de literatura” e gosto de pensar que ele, ali sentado naquela esquina, pedia algo para lhe aquecer a alma. E que eu, sempre tão coração mole na hora da esmola, não podia lhe dar naquele momento. Sou capaz de voltar ali amanhã e deixar alguns livros que, espero, façam-lhe companhia. Se ele os vender, sem problemas, só fico sonhando que os leia.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Livros e testamentos

A última vez que vi meu avô com vida foi cerca de uma semana antes dele morrer, dois dias antes dos meus 15 anos. Eu já devia saber que sou péssima em despedidas, pois tivemos uma briga. Ele disse que não me emprestaria mais livros porque eu era muito descuidada com eles. Lembro das palavras: “cada livro que você leva, volta um farrapo”, no seu fortíssimo sotaque alemão. Puxei a mão que ele segurava, emburrada com o que classifiquei imediatamente como injustiça. Hoje, ao ler as notas neste blog, vejo que ele estava coberto de razão, sou descuidada mesmo. E isso me lembra um texto que vi outro dia na internet, falando mais ou menos sobre como reagiríamos se soubéssemos quando estamos vendo alguém pela última vez. Certamente eu falaria com ele com um tom muito diferente, no mínimo saindo da defensiva. Algum tempo depois, quando a casa dos meus avós foi “desmanchada”, minha mãe não quis que eu ficasse com os livros. Não sei porque, mas não discuti ou argumentei em contrário. Hoje, em retrospectiva, acho que foi como se eu desse razão ao meu avô pelo meu desleixo e castiguei-me sozinha. Mas pensando bem, acho que ele adoraria que alguém que amasse os livros tanto quanto ele acolhesse os exemplares que deixou. Nunca soube – e nem quis saber para não doer ainda mais – o que foi feito daquele móvel com portas de vidro, atulhado de livros que sequer cheguei a pegar. A imagem daquela estante vem à minha mente cada vez que me deparo com algo parecido. Ainda terei um móvel daqueles na minha casa.
Agora fico pensando: o que acontecerá com os meus, quando eu me for? Minha afilhada fala sempre – meio a sério, meio brincando – que deseja herdar meus livros. Acho que preciso fazer um testamento...

sábado, 10 de setembro de 2011

Um papo com o meu autor favorito


Até hoje não encontrei justificativa válida para o meu apego a determinados livros. Tenho verdadeiros campeões de releituras. E quando falo em campeão de releituras, falo em vinte, trinta vezes, que peguei o livro novamente. Talvez algum psicólogo tenha uma boa explicação para isso, mas alguns eu chego a saber trechos de cor. Certa vez, confrontada pela dúvida de um amigo, recitei todo o primeiro parágrafo de “Um certo capitão Rodrigo”, que faz parte da trilogia “O tempo e o vento”, de Érico Veríssimo, favorito absoluto da minha estante e que peguei pela primeira vez na adolescência, totalmente fora de ordem, e que somente li completo, na sequência, lá pelos 18 anos. Nasci na mesma cidade que Érico – Cruz Alta, no interior do Rio Grande do Sul – e na adolescência morei próximo à casa em que ele nasceu e cresceu, e da casa dos seus avós, ao lado, transformada em uma modesta biblioteca, a qual muito frequentei, descobrindo ali autores citados por Érico Veríssimo em seus livros.

Falo tudo isso porque há alguns dias, numa pausa necessária (necessária porque eu acho, não porque efetivamente seja) nos livros à espera, parei em frente à estante procurando uma releitura e me vi pegando o primeiro tomo de “O retrato”, a segunda parte da trilogia “O tempo e o vento”. Deste também sei trechos de cor, o que não diminui o encanto e o brilho da leitura. Muito manuseados, os livros têm páginas soltas, sobrecapa em papel pardo e plástico, acusando os anos de pega-e-larga. Como já disse, não sei e nem procuro explicação para tanto apego, além de uma profunda identificação com o autor que não se repete com o filho de mesmo sobrenome. Gosto de pensar que este seria um escritor de quem eu seria amiga e que lamento muito não ter tido a oportunidade de conhecer pessoalmente. Se é que existe vida após a morte, Érico Veríssimo seria disparado o meu escolhido para bater papo e falar sobre livros.

A mesma foto que ilustra este post está em um porta retratos no meu aparador que abriga os livros sobre livros que tenho em casa.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Capas e cupins





Sou a primeira a admitir que amo os livros, mas não sou exatamente a pessoa mais cuidadosa do mundo com eles. E como os manuseio bastante e leio em qualquer lugar e circunstância (levo-os na bolsa e isso detona qualquer exemplar), tenho alguns livros bem acabadinhos. E o que faço então? Encapo-os com plástico bem grosso, na impressão de que isso os protege. Já me disseram que é péssima ideia, que com isso o livro não “respira” e outras coisas mais que nem lembro, não devo ter prestado atenção. Não quero que pensem aqui que sou descuidada a ponto de ser relapsa, nada disso. Eu só sou uma leitora passional e às vezes o amor é meio bruto mesmo. Aliás, respirando ou não, eu já fui salva por uma capa de plástico quando, há vários anos, bateu uma nuvem de cupins na minha antiga estante de madeira. Depois de um ataque de horror e de livrar-me imediatamente do móvel, paguei um extra à faxineira para olhar livro por livro e certificar-se de que nenhum deles tinha sido atacado pelos bichos miseráveis. Após todos terem sido esmiuçados, apenas um estava literalmente infestado, justamente um dos encapados com plástico grosso, o que impediu que os cupins pulassem para os vizinhos. De sorte que continuo encapando. Eles podem não respirar, mas eu me sinto mais segura assim e nem imagino o porquê.


Depois do ataque de cupins, meus livros ficaram durante anos em estante de metal, primeiro porque eu morria de medo de que se repetisse o ataque e segundo porque foi o que deu para pagar na época, numa solução emergencial que se estendeu por longo tempo até eu mandar fazer um móvel sob medida.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Um mês de presente




Graças a uma hepatite aos 14 anos, “ganhei” do médico 32 dias de absoluto repouso, ou seja, cama. E dela só podia sair para ir ao banheiro. Foi mais de um mês sem escola, amigas, visitas e até um mísero passeio de carro. Naquela época não era comum criança ou adolescente ter tevê ou telefone no quarto e lógico que computador era só coisa de filme de ficção científica. E o que eu fiz naquele mês que hoje considero dourado? Li. Quando não estava dormindo (ou tomando banho) eu estava lendo e ataquei tudo o que foi possível. Além das coleções que tínhamos em casa, minha mãe trazia livros da biblioteca da escola onde ela dava aulas, meu irmão conseguia gibis com os amigos e meu avô contribuía com empréstimos nacionais da sua estante quase só em alemão.
Eu já devia ter o hábito de reler, não acredito que tenha vindo dali, mas reli quase tudo mais de uma vez, só não estudei mesmo, era só o que faltava! Não lembro daqueles dias como tediosos, pelo contrário, lembro da tranquilidade, do silêncio da casa, do calorzinho sob os cobertores (era setembro, em uma época que setembro ainda era sinônimo de inverno), do enorme vidro de balas e doces abastecido pelo meu pai e das pilhas de livros e revistas ao meu redor. Quase o paraíso.
Excetuando umas gripezinhas que mal conseguem me manter um dia longe do trabalho, nunca mais precisei ficar de molho dessa forma e lógico que nem o desejo (sai, satanás!), mas hoje, vendo a chuva que castiga Florianópolis há dois dias e o frio que obriga a vestir um casaco sobre o outro, lembrei daquele mês que ganhei de presente da vida, talvez como uma compensação para a minha total incapacidade de tirar férias depois de adulta.

Pelo menos uma coisa boa estava liberada pelo maldito médico: os doces, quanto mais, melhor para o fígado, dizia ele. Santa juventude: comi como uma louca por um mês e meu peso passou de 47 para 48 quilos. O fígado continua ótimo e acho que veio daí a mania de ler sempre mordiscando alguma coisa.

domingo, 21 de agosto de 2011

Apenas uma declaração de amor

Já me perguntaram por que não faço resenhas aqui. As razões são duas: 1- Morro de preguiça, e 2: não é o objetivo deste espaço, que comecei por pura bobeira, após alguns anos passeando pela web e acompanhado blogs pelos quais me encantei, em especial sobre decoração e coisas para a casa. Só bem mais tarde procurei blogs sobre livros e vi que a maioria faz e publica ótimas resenhas, que já me ajudaram a escolher as próximas aquisições. Minha intenção sempre foi falar da minha relação com os livros e com a leitura e o papel definitivo e preponderante que exercem na minha vida desde muito criança. Como diz no templete: o blog é uma declaração de amor aos livros. Outro dia vi por acaso um papo em vários blogs sobre os livros que recebem das editoras para escrever resenhas e percebi surpresa que existe uma parceria que tem um pouco de relação comercial: as editoras mandam os livros e os blogueiros precisam fazer as resenhas. Fiquei então imaginando a minha desorganização para ler, a demora em pegar um livro recém adquirido e – o principal – o fato de que eu me sentiria trabalhando se tivesse que escrever resenhas (ganho a vida escrevendo e escrevo o dia inteiro, nem imagino fazê-lo com mais um motivo, tornando o blog mais um “trabalho”).

Assim, vou continuar escrevendo quando me der vontade ou tiver assunto e não farei resenhas (a menos que leia algo que goste tanto que precise dividir). Vou continuar procurando-as nos blogs de que tanto gosto e acompanho quase diariamente e falar aqui apenas sobre a minha forma de me relacionar com a leitura. Afinal, foi isso que me motivou até hoje.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A pilha. Ou melhor, as pilhas!



Tem de tudo. De E. M. Forster (A mais longa jornada), Alberto Manguel (À mesa com o chapeleiro maluco); Gay Talese (A mulher do próximo), Notícias de um sequestro (Gabriel Garcia Márques que, aliás, tem também a biografia, Viver para contar), Albert Camus (O mito de Sísifo), Antônia Fraser (A revolução da pólvora), Sterne (Viagem sentimental) , Anatole France (O crime de Silvestre Bonnard) e, se nada acontecer, o próximo, Arthur Schopenhauer (Como vencer um debate sem precisar ter razão, comprado há mais de três anos por indicação de um amigo querido em uma viagem a trabalho para Porto Alegre).
Isso tudo e muito mais: são 12 livros de um lado da cama e 36 do outro, onde a “mesa” de cabeceira é uma rack bem espaçosa. Essa é a famosa pilha de livros na fila e estou com preguiça de listar todos, embora não para lê-los. Para isso só preciso de tempo. Tem coisa que chegou agora, como o Pai Goriot, de Balzac, e tem coisa que está na fila há vários anos, como Middlemarch, de George Eliot. Provavelmente sempre terei muita coisa esperando, mas imagino que não nesta quantidade. Os 48 livros estão divididos em quatro pilhas. Eram duas quando cheguei ao meu penúltimo apartamento. Fica a dúvida se eu li menos (ando lendo mais devagar mesmo, admito) ou se acrescentei mais. Um pouco de cada, sem dúvida. De qualquer forma estou suprida no caso hipotético de um acontecimento nuclear que tranque todo mundo em casa por meses (tipo o filme “O dia depois de amanhã”, que está passando agora no telecine). Não duvidaria que os livros acabassem antes da comida....


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A posse. Ai, a posse...


Assim como detesto emprestar meus livros, também não gosto de ler os que não são meus. O meu jeito esquisito de ler, pegando e largando, atravessando várias leituras no meio, indo à estante buscar referências ou relembranças, faz com que em algumas oportunidades o livro demore a ser liberado. E isso não ajuda em nada a reduzir as pacientes (qual o remédio?) pilhas de obras nas mesas de cabeceira.
Por outro lado, o meu velho e já muito admitido sentimento de posse faz com que livro apreciado precise morar em definitivo comigo, entre outros motivos, para eu voltar a ele sempre que me der vontade. Tenho o hábito de comprar livros que já li e que gostei tanto a ponto de querer um exemplar. Quando isso acontece, vão direto para a estante, a menos que a vontade seja muita e eu releio imediatamente. Depois da compra passo dias namorando a nova aquisição. Isso vem do tempo em que pegava unicamente livros em bibliotecas ou conseguia emprestado. Ficou aquele sentimento ruim do “querer e não poder ter” que me visita até hoje, obrigando-me a adquirir pelo puro e simples sentimento de posse. Tenho uma amiga que conta seus tempos de infância em que tinha apenas um sapato de inverno e uma sandália para o verão. Hoje, bem sucedida, compra sapatos a granel e admite que é para compensar os tempos de miserê.
É provável que aconteça o mesmo comigo no que se refere aos livros, e por isso vou comprando.

domingo, 14 de agosto de 2011

Segundo domingo de agosto...

Dia dos pais é uma data complicada para mim, que há 11 anos não tenho mais o meu pai neste mesmo plano. Impossível não chorar ao lembrar que cresci cercada de livros em uma casa onde educação era prioridade, mesmo sendo ele uma pessoa com pouco estudo. Desde 2000, quando ele se foi (não consigo usar a palavra “morte”) fujo de verdade de livros e filmes que versam sobre relações entre pais e filhos, numa tentativa de manter o coração quieto. Mas hoje, quero relembrar que aprendi a gostar de ler estimulada também por ele - já falei sobre isso neste blog - da mesma forma que escolhi o time para o qual torço até hoje e defini a profissão que iria seguir. O orgulho que ele tinha dos filhos é bem parecido com o que sinto por ele. Parabéns pelo teu dia, pai, onde você estiver.